A HISTÓRIA
Conheça os processos históricos que transformaram o carro em um fenômeno e em um parceiro
Ver um Fusca andando na rua pode parecer algo comum nos dias de hoje. Velhos, novos, brancos ou coloridos, esse clássico da Volkswagen esconde um passado rico em história que envolve um ditador, uma guerra e um engenheiro automotivo
O período entre as grandes guerras se mostrou uma busca incessante pelo crescimento econômico de vários países da Europa, palco da Primeira Guerra Mundial. Nesse contexto, o austríaco Ferdinand Porsche começou a ascender.
Ainda que o desenvolvimento dos carros andasse a passos lentos, as ideias fervilhavam. Porsche começou seus projetos com carros de corrida. A ideia inicial era construir um veículo com motor bastante compacto e refrigerado a ar. As suas inspirações vinham de aeronaves e tanques de guerra.
Seus projetos – o que muitos consideram como os precursores do Fusca – chamaram a atenção de grandes empresários. Contudo, a surpresa veio quando o Chanceler da Alemanha solicitou um projeto do carro popular.
Estimulado pelo crescimento econômico da Alemanha na década de 30, Porsche foi convidado para visitar Berlim em 1933, recebido pelo próprio Chanceler, Adolf Hitler, no Hotel Kaiserhof.
Intitulado “Volksauto” (carro do povo), o projeto criado pelo austríaco agradou muito o futuro ditador. Hitler sugeriu a Porsche que o veículo tivesse o estilo em forma de besouro, inspirando-se nas formas da natureza.
Para Hitler, o carro do povo deveria transportar de quatro a cinco pessoas, alcançar e manter uma velocidade de 100km/h e fazer uma média de 14km/L. Números bastante ousados para a época
PROJETO DO KDF-WAGEN, O ANTECESSOR DO FUSCA
FOTO: O GRANDE LIVRO DO FUSCA EM FASCÍCULOS
Por fim, o Chanceler sugeriu que o carro deveria chegar nas mãos dos alemães com um preço menor que 1.000 marcos imperiais, dinheiro usado na época. A ideia inicial era que o primeiro protótipo do Volksauto fosse entregue em dez meses, contudo, com as exigências de Hitler, Porsche teve que adequar algumas especificidades do veículo, dobrando o tempo para vinte meses.
Em 1936 surgiu o primeiro protótipo do que será o Fusca no futuro. Aprovado, o carro começou a ser produzido em uma pré-série com 30 unidades. Após passar por uma bateria de testes de desempenho, o Volksauto foi oficialmente lançado em 1938, batizado com KdF-Wagen. Um dos parentes mais próximos do que hoje conhecemos como Fusca.
PRIMEIRO PROTÓTIPO DO KDF-WAGEN, LANÇADO EM 1938
FOTO: O GRANDE LIVRO DO FUSCA EM FASCÍCULOS
Um calote e uma guerra
Pronto para a venda, o modelo do KdF-Wagen foi oferecido à população com um esquema de venda para lá de diferenciado, com uma espécie de poupança-crédito. Os interessados pelos carros pagavam parcelas semanais de cinco marcos e adquiriam um selo, que seria colado em uma cartela específica.
A ideia era que a produção do carro fosse financiada pelos próprios compradores. Isso porque, apenas com a cartela preenchida de selos, a pessoa poderia buscar o veículo direto na fábrica.
Na metade de 1938, as cartelas do KdF-Wagen foram disponibilizadas às pessoas. Já na primeira semana, 150 mil cartelas foram adquiridas pelo povo alemão.
No começo de 1939, mais de trezentos mil alemães já haviam comprado suas cartelas. Tudo parecia promissor para o povo alemão, o governo e o próprio Porsche, que ganhara uma fábrica para si.
Contudo, em 1º de setembro, Hitler ordenou a invasão da Polônia, marcando o início da Segunda Guerra Mundial, o fim da produção do KdF-Wagen e o maior calote que o povo alemão já viu, pois ninguém conseguiu colocar as mãos no veículo.
O KdF-Wagen? Seu projeto e muitas das peças que já tinham sido fabricadas foram aprimoradas e transformadas em jipes de guerra para a Alemanha. E o carro só veria a luz dez anos depois.
CARTELA DE SELOS UTILIZADA PARA ADQUIRIR O KDF-WAGEN
FOTO: ARQUIVO HISTÓRICO
A volta dos que não foram
O final da Segunda Guerra Mundial marcou não só o início de uma crise econômica na Alemanha, como também o abandono da fábrica que um dia era a linha de montagem da Kdf-Wagen. Esse seria o ponto final do projeto do Volksauto.
Contudo, a divisão da Alemanha com o Muro de Berlim trouxe benefícios (acredite se quiser) para a continuidade do projeto do Fusca.
A região onde se localizava fábrica do veículo ficou nas mãos da Inglaterra e foi renomeada de Wolfsburg. Ao assumir o controle da linha de produção, os ingleses se depararam com diversas peças e componentes do que antes seria o carro do povo alemão.
Decidiram reiniciar a produção com diversas adaptações do que foi o projeto de Porsche. Ao todo, foram fabricadas 2.490 unidades até 1945, sendo 703 do modelo Fusca Tipo 82E.
E lá está ele, com seu devido nome e produção a todo vapor. Em 1946, 7.677 unidades do Sedan Volkswagen, o Fusca, deixaram a linha de produção de Wolfsburg, sendo destinados para as Forças Armadas da Inglaterra, para os russos, franceses e americanos.
Ainda que com muitos defeitos mecânicos, em 1947, o Fusca começou a conquistar adeptos e foi lançado ao público na Feira de Hannover. Com isso, novos projetos do carro foram lançados, trazendo mudanças e um acabamento muito melhor do que um dia foi um carro de guerra.
A partir daí, o Fusca foi alavancado no mercado e não parou mais, trazendo modelos cada vez mais diferenciados e novidades para os compradores, chegando até os dias de hoje.
Década de 50
A década de 50 não marcou apenas o início da primeira série do Fusca, conhecida como Brezel, como também a trajetória do veículo no Brasil.
Precisamente em 11 de setembro de 1950, no porto de Santos, os primeiros exemplares do Volkswagen desembarcaram no país. Naquela época, os carros ainda eram importados diretamente da Alemanha.
Mas se engana quem pensa que o Fusca conquistou os brasileiros logo de cara. A imprensa questionava a funcionalidade de um motor a ar nas altas temperaturas do país e o consumidor via o Fusca como pequeno, esquisito, barulhento e um tanto exótico, afinal, no lugar do porta-malas havia um motor!
Os carros eram importados pela Brasmotor. Em 1952, os Fuscas chegavam ao país em partes e eram montados e finalizados na fábrica de São Bernardo do Campo, na Via Anchieta.
Foi apenas em 1957 que a Volkswagen tomou conta das atividades da montadora e criou uma fábrica da marca no Brasil, instalada no km 23,5 da Via Anchieta. Ainda assim, o processo de nacionalização do Fusca aconteceu apenas em 1959.
Década de 60
Mesmo que o Fusca estivesse oficialmente sendo produzido no Brasil, até 1962, apenas 95% do carro era feito no país, isso porque os chassis ainda eram importados da Alemanha.
Apesar disso, a década de 60 marcou a liderança da VW no mercado nacional, marco que se propagou ao longo de 30 anos. Anualmente, estima-se, o Fusca contava com mais de 30 mil unidades produzidas.
E quem não acredita que o Fusca acompanhou o desenvolvimento do Brasil ao longo dos anos, saiba que durante o período de ditadura militar, após 1964, a Volkswagen lançou o Fusca conhecido como “Pé de Boi”.
Devido à crise econômica do Brasil e, consequentemente, queda nas vendas o veículo, o governo fechou uma parceria com a VW para facilitar o financiamento do Fusca. Para abaixar o preço do veículo, o Fusca Pé de Boi pareceu retornar às suas raízes, deixando a fábrica sem lanternas de pisca e sem retrovisor. O acabamento era pobre e a potência do motor também era inferior.
O veículo pelado não agradou o gosto popular e vendeu muito pouco. A insatisfação dos compradores era tão grande, como um dia viria a ser com o governo militar.
FUSCA MODELO "PÉ DE BOI", PRODUZIDO DURANTE A DITADURA MILITAR NO BRASIL
FOTOS: THIAGO VENTURA/EM/D.A. PRESS
Década de 70
Os anos 70 marcaram um verdadeiro impasse para o Fusca. Mesmo sendo um dos carros mais produzidos, chegando a 15.458.781 unidades produzidas, o novo mercado se mostraria cada vez mais difícil para o carro.
Os nomes do Fusca pelo mundo
Bug/Beetle
Käfer
Vocho
Coccinelle
Maggiolino
Carocha
Kever
Garbus
Buba
Kobe
Kifuu
Foxi
Be-doblebe
Peta
Volky
Kuplavolkkari
Hipushit
Cucaracha
Weevil
Volla
Fusca
Estados Unidos
Alemanha
México
França
Itália
Portugal
Bélgica
Polônia
Sérvia
Tanzânia
Quênia
Paquistão
Cuba
Bolívia
Porto Rico
Finlândia
Israel
Honduras
Canadá
África do Sul
Brasil
Além das novas imposições de segurança que eram exigidas para os carros, algumas bem complicadas de serem implementadas no Fusca, novos modelos surgiam e se tornariam fortes concorrentes ao Volkswagen. Com o passar do tempo, o besouro já não era o carro mais rentável do mercado.
A década de 70 também marcou o encerramento das produções do Fusca no Alemanha, fábrica que ficou ativa por mais de 30 anos, contabilizando um total de 17 milhões de unidades do besouro produzidas.
Mesmo com esse fato, a história do Fusca estava longe de acabar, isso porque o Brasil se tornaria a maior filial da VW a produzir o besouro.
Além disso, em 75, o país se tornou o maior mercado consumidor de Fusca, fazendo parte de 31,1% dos automóveis vendidos.
Ainda assim, o final da década de 70 também se mostrou o começo da queda do carro no Brasil. Com o aumento da concorrência, o Fusca finalizou 1979 com apenas 19,3% da participação no mercado nacional.
Era o início do fim.
Década de 80
“Até o final deste ano a VW descontinuará, de forma gradativa, a produção de seu mais tradicional produto: o Fusca. Não é arriscado afirmar que poucos (brasileiros), pouquíssimos, não tiveram, não dirigiram, ou não têm na memória histórias associadas ao carrinho. Por tudo isso ele acumulou tamanha simpatia e carinho.”
COMUNICADO OFICIAL DA VOLKSWAGEN
11 DE AGOSTO DE 1986
O começo dos anos 80 foi duro para o besouro, com a queda de sua participação no mercado para 15,7% no Brasil. E continuou a cair.
Depois de 30 anos como líder do mercado automotivo, o Fusca viu seu posto sendo roubado por um dos seus concorrentes: o Chevrolet Chevette. Logo em seguida, quem tomou a liderança foi o Chevrolet Monza.
Em 1985, a fatia de vendas do Fusca já contabilizava míseros 7,3%. E foi em 1986 que o Conselho de Vigilância na Alemanha decidiu por encerrar a produção do besouro no Brasil.
Em 28 anos de produção do Fusca brasileiro, foram 3 milhões e 300 mil unidades produzidas na fábrica de São Bernardo. Mas esse ainda não era o ponto final do carro.
Ele está de volta?! – década de 90
O começo dos anos 90 no Brasil foi marcado por muitas instabilidades e incertezas no âmbito político e econômico. Em 1992, o presidente Itamar Franco fora empossado após a renúncia de Fernando Collor.
Amante do clássico Volkswagen, Itamar deu apoio econômico para a VW voltar a produzir o Fusca no Brasil. Segundo pesquisa feita pelo jornal Folha de S. Paulo, na época, 59% dos brasileiros aprovavam a volta do carro.
PRESIDENTE ITAMAR FRANCO NO LANÇAMENTO DA NOVA LINHA DO FUSCA, EM 1993
FOTO: O GRANDE LIVRO DO FUSCA EM FASCÍCULOS
REINÍCIO DA PRODUÇÃO DO FUSCA EM 1993
FOTO: O GRANDE LIVRO DO FUSCA EM FASCÍCULOS
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Em 4 de fevereiro de 1993, os engenheiros da VW começaram a redesenhar o projeto do besouro para competir e se adequar ao mercado dos anos 90.
Antes mesmo do carro entrar em produção nas fábricas, mais de 10 mil pessoas já haviam feito pedidos do Fusca!
E quem diria que em 1994, o Fusca teria seus primeiros modelos lançados desde o final da produção.
A expectativa era de produzir cerca de 50 mil unidades em um ciclo, que se encerraria em 1996, quando a fábrica de São Bernardo anunciou o fim da linha Itamar.
Ainda que a década 90 foi o ponto final da produção do Fusca no Brasil, o último besouro produzido no mundo se encontra no México, em 2003.
Mas, não importa quando foi produzido, o que importa é que ainda hoje, 60 anos após o início de sua fabricação no Brasil o Fusca ainda é um carro aclamado pelos brasileiros, e se mantém firme e forte pelas estradas do país.